Não é incomum que alguns diretores possuam uma marca registrada, e a de David Cronenberg é sem dúvida a temática do corpo. Conhecido por filmes como “A Mosca”, “Videodrome – A Síndrome do Vídeo” e “Scanners – Sua Mente Pode Destruir”, é inevitável que o grande público associe o diretor ao gênero de suspense e terror, mais especificamente com o subgênero do horror corporal. O que muitos não sabem é que o fascínio de Cronenberg com o corpo humano já era presente em seus primeiros filmes.
Lançado em 1977, Rabid (pessimamente traduzido como Enraivecida na Fúria do Sexo), quarto longa-metragem do diretor, traz como atriz principal Marilyn Chambers, vinda do mundo de filmes adultos. E é óbvio que isso não é uma coincidência, afinal em Rabid o diretor brinca com a temática do sexo de forma avessa. Mas antes de continuar, segue um breve resumo do roteiro.

Rose e Hart Read, durante uma viagem de moto pelo interior do Canadá, são vítimas de um acidente que deixa Rose gravemente ferida. Ela é levada a uma clínica mais próxima, especializada em procedimentos estéticos, e lá decidem que o caso é grave, assim não haveria tempo de levá-la para um hospital convencional. Um médico da clínica tenta tratá-la com procedimentos experimentais – ele retira um pedaço de tecido da coxa, faz alterações no mesmo para que ele funcione como um tecido reabilitador, algo similar à reconstrução de tecidos via células-tronco. O procedimento é um sucesso: após alguns dias Rose acorda do coma, mas há algo diferente, algo mudou dentro dela. Ela sente frio e fome, que devem ser saciados apenas com sangue.
[O longa] traz como atriz principal Marilyn Chambers, vinda do mundo de filmes adultos. E é óbvio que isso não é uma coincidência, afinal em Rabid o diretor brinca com a temática do sexo de forma avessa.
O tratamento recebido alterou a fisiologia de Rose, e agora ela é uma espécie de vampiro moderno, que não apenas se alimenta de sangue, mas também transmite uma doença no processo, algo mais letal que o vírus da raiva. Rose caça suas presas em Montreal, e em pouco tempo a cidade instala um toque de recolher – os casos de infectados aumentaram exponencialmente, e não há cura para a doença.
Como é comum em todo filme de terror, a imagem tosca de uma mulher vampira que suga suas vítimas por um apêndice, serve mais como uma analogia do que algo a ser entendido de forma literal. É comum que Cronenberg veja o corpo humano por uma lente negativa, como se ele fosse algo repulsivo ou mesmo perigoso, e aqui a analogia mais óbvia é a de infecções sexualmente transmissíveis. Daí a ideia de ter uma atriz da indústria pornográfica como atriz principal.
Qual o significado de Rose? Teria ela algum simbolismo para Cronenberg?
Mas abaixo da analogia da “epidemia sexual” há um jogo indireto, subjetivo, jogado pelo diretor: no lugar de um macho alfa, temos uma mulher que preda suas vítimas, a maioria homens, com o apêndice gerado pelo novo tecido. Qual o significado de Rose? Teria ela algum simbolismo para Cronenberg? Rabid é um filme de terror despretensioso, não há uma tentativa clara de passar uma mensagem específica. Apesar de muito maior e mais maduro do que o terceiro longa do diretor (Shivers, 1975), Rabid ainda não representa com fidelidade o que viria a ser esperado de Cronenberg. O mundo veria a completa maturidade do diretor com Scanners, de 1981, porém vale muito a pena assistir às obras que lançaram os fundamentos desse grande diretor.



