Não é incomum que o sucesso de um longa-metragem não se traduza em grandes novos sucessos dentro da filmografia de um diretor, e é exatamente esse o caso de Os Mestres do Tempo (Les Maîtres du temps, 1982). René Laloux, que teve grande sucesso com Planeta Fantástico (La Planète Sauvage, 1973), infelizmente não conseguiu alcançar o mesmo nível de prestígio com seu novo longa de animação. E não foi por falta de talento. Essa animação de 1982 também é uma adaptação de um livro de Stefan Wul, e as ilustrações ficaram a cargo de ninguém menos que Mœbius (Jean Giraud).
Para tentarmos entender como três grandes nomes não foram capazes recriar o mesmo sucesso de 1973, precisamos focar nos dois maiores empecilhos de Os Mestres do Tempo. O livro de ficção L’Orphelin de Perdide, ou O Órfão de Perdide (tradução livre), é uma obra de 1958 que serviu como base para o roteiro da animação. Nele conhecemos os viajantes espaciais Jaffar, Belle, o príncipe Matton e Claude, sendo que este último se perdeu do grupo e encontra-se no planeta Perdide, com seu filho Piel. A história gira em torno do resgate do garoto Piel, pois naquele planeta há seres que se parecem com vespas gigantes, e eles se alimentam de cérebros humanos. É um roteiro simples e linear, muito diferente do psicodelismo de Planeta Fantástico. No entanto, simplicidade e linearidade não garantem uma narrativa envolvente ou uma mensagem coerente.

Quando o grupo desce no planeta Gamma 10 eles dão de cara com uma população que foi sequestrada e transformada num ente único. Jaffar e Matton são presos, eles serão incorporados pela consciência única que governa aquele planeta. Seria isso uma referência a regimes totalitários? Depois de escaparem, eles são detidos por autoridades que se autointitulam “reformistas”, seus trajes idênticos também evocam regimes autoritários. Qual a natureza desses oficiais? Devemos odiá-los? Por fim somos apresentados à uma entidade chamada Federação dos Mestres do Tempo, que seria uma raça de alienígenas tão avançada que faz uso de viagem no tempo para colonizar planetas. Mas quem são eles? Também devemos odiá-los ou não? Esse é um dos maiores problemas no roteiro do filme, não há uma mensagem clara sobre o significado dessas subtramas narrativas. Outro problema grave no roteiro é o arco dos personagens, ou melhor, a completa ausência deles. Jaffar, por exemplo, é no final do filme a mesma pessoa que ele era no início, e esse problema se estende para quase todos os personagens.
O segundo empecilho que atrapalhou Os Mestres do Tempo foram os problemas técnicos. O que deveria ser uma minissérie se tornou um longa, e esse processo custou a Laloux muito dinheiro, a ponto dele ter que terceirizar boa parte do processo de animação dos personagens com um estúdio do leste europeu, o que afetou imensamente a qualidade do trabalho. Alguns personagens como o menino Piel e os seres telepáticos Yuke e Jad são lindamente animados, enquanto Jaffar e a princesa Belle receberam o pior tratamento possível. Isso ocorreu pois o processo de animação foi dividido entre vários times, e ao olharmos o resultado final fica claro que alguns eram mais experientes do que outros: a princesa Belle, por exemplo, não possui expressão facial alguma.

Essa diferença de qualidade na animação também é perceptível no contraste entre os cenários e os personagens: todos os cenários no longa são lindamente desenhados e animados, ao ponto dos animadores se desentenderem entre si, pois as paisagens de cada planeta tinham muito mais qualidade do que os protagonistas da história.
E é aqui que podemos adentrar na discussão dos pontos fortes do longa-metragem, e o motivo de valer a pena assisti-lo. Cada planeta é apresentado com sua beleza e características peculiares, os cenários são lindos e detalhados. Outro ponto forte dessa produção franco-húngara é o plot twist ao final. Sim, ele existe, e apesar dos problemas no roteiro, a reviravolta final é muito bem feita. Os Mestres do Tempo seria a última e única contribuição de Mœbius ao trabalho de Laloux, mas isso não impediu o diretor de seguir criando, afinal ele ainda lançaria alguns curta-metragens e também o longa Gandahar, seu último, em 1987.



