Richard Hannay e Madeleine Carroll em Os 39 Degraus.

Os 39 Degraus (1935): A Fórmula Hitchcockiana do Suspense

“’Os 39 Degraus’ é até agora a demonstração mais eficaz do método de sutileza artística do diretor Alfred Hitchcock, e seu sucesso — já sensacional no exterior — deveria servir de lição para seus imitadores em Hollywood.”
Time Magazine, 23 de setembro de 1935.

É uma noite agradável em Londres, e Richard Hannay está longe de sua terra natal no Canadá. Solteiro, nada o impede de aproveitar o que a capital inglesa tem para oferecer. Em cartaz no teatro há a apresentação do Sr. Memória, um homem capaz de gravar cinquenta fatos cotidianos ou históricos por dia, sem nunca mais esquecê-los. O grande público lota as fileiras do teatro para ouvir essa enciclopédia humana: é uma atração tão popular que Hannay não hesita em garantir seu ingresso. Quantos anos tem Mae West? Qual a distância de Winnipeg para Montreal? Quantas corridas Nick the Miller ganhou? Enquanto o Sr. Memória tenta responder as perguntas, uma agitação se cria na platéia, e tudo foge do controle quando são ouvidos disparos de uma arma. Todos correm para fora do teatro, Hannay consegue finalmente sair, mas não está sozinho: Madeleine Carroll, que se agarrou a ele durante a fuga da confusão, agora está junto dele na calçada e pergunta se poderia ser levada com ele para seu apartamento. Hannay não entende, seria essa mulher uma dama da noite?

Ele a leva para seu apartamento temporário, ela entra, mas tem medo de aparecer na janela. Carroll começa uma conversa muito estranha sobre espionagem, que ela teria informações secretas de vários países e que teria sido ela a autora dos disparos naquela noite. Hannay não dá muita atenção, ambos vão dormir em cômodos separados, mas o que era para ser uma noite tranquila se transforma em um pesadelo quando Carroll, com uma faca cravada em suas costas, entra na sala onde Hannay dorme. Ele se assusta com a cena. O corpo sem vida que agora está sobre o móvel carrega um papel em suas mãos. Seria isso um mapa? O telefone toca, há homens estranhos lá fora. Seria toda aquela conversa sobre espionagem verdade?

“Se houver algum concorrente à obra como o melodrama mais original, culto e divertido de 1935, então só pode ser ‘O Homem que Sabia Demais’, que também saiu da oficina de Hitchcock.”
The New York Times, 1935.

Um homem falsamente acusado em uma trama de espionagem, essa é a fórmula de Os 39 Degraus (The 39 Steps, 1935) usada por Alfred Hitchcock, fórmula essa que seria prevalente em vários de seus filmes subsequentes, como Sabotador (Saboteur, 1942) e Intriga Internacional (North by Northwest, 1959). Ao olharmos mais de perto, podemos enxergar vários pontos de interesse na construção do roteiro, sendo dois deles a narrativa cíclica e a dualidade. Sobre a narrativa cíclica, é fácil notar que ao longo do filme Hannay refaz os mesmos passos de Carroll, a espiã que morre logo no início. Nenhuma cena deixa isso mais evidente do que a segunda vez em que Hannay adentra a apresentação do Sr. Memória. Já a dualidade em Os 39 Degraus é um pouco mais sutil, mas ainda perceptível no contraste entre os cenários rurais e urbanos, ou na sobreposição entre o indivíduo dotado de informação (Hannay) e a massa alienada ao redor. Podemos encontrar contrastes inclusive nos sentimentos que o filme suscita, afinal é comum que cenas de suspense sejam seguidas de episódios e/ou falas engraçadas. Há vários trechos hilários no longa, como quando Hannay tenta convencer o entregador de leite a entregar sua roupa para que ele possa fugir disfarçado, ou quando os vendedores de artigos femininos no trem constrangem um passageiro idoso, ou ainda quando Hannay, ao entrar em uma reunião partidária, finge ser o candidato escocês que deveria falar naquela noite.

Primeiramente escrito por John Buchan em 1915 e adaptado ao cinema 20 anos depois, Os 39 Degraus não apenas solidificou ainda mais a fama de Alfred Hitchcock como um dos maiores cineastas de sua época, como também atestou ao mundo que era possível se fazer filmes com alta qualidade técnica fora de Hollywood. As cenas externas que representam o interior escocês são lindas e o ponto alto são as transições, que provaram que a indústria cinematográfica britânica tinha total condição de competir com o que era feito nos EUA. Dentre as dezenas de filmes que produziu ao longo de sua carreira, Alfred Hitchcock sempre considerou Os 39 Degraus uma de suas obras favoritas. Ao assisti-lo, entende-se facilmente o motivo.