A diretora Coralie Fargeat ganhou reconhecimento internacional com seu segundo longa-metragem A Substância (2024), indicado a vários prêmios nos principais festivais de cinema mundiais. A obra lhe rendeu “Melhor Roteiro” em Cannes, “Melhor Maquiagem e Caracterização” no BAFTA Awards e Oscar, além de prêmios de melhor atriz para Demi Moore. Não demorou para que toda essa atenção também se voltasse para trabalhos antigos da diretora — Reality+ é um deles.
A premissa do curta-metragem é simples, mas evidencia um tema que seria recorrente: a beleza a qualquer custo. Curiosamente, Vincent não é um homem feio, porém, assim como Elisabeth em A Substância, ele é extremamente inseguro, por isso decide implantar um chip em seu cérebro. Ao ficar de frente ao espelho, ele faz a ativação do chip, com isso é apresentado a um menu de construção de personagem, idêntico aos que existem em jogos de RPG. Ele escolhe a aparência que mais lhe agrada e inicia a contagem de doze horas — sim, a ativação do implante fornece doze horas por dia de pura beleza — no tempo restante, ele é obrigado a lidar com a realidade.

Ao olharmos para o ano em que o curta foi lançado, em 2014, é fácil de entender a origem da temática distópica. Black Mirror teve sua primeira temporada lançada no Reino Unido em 2011, e o que até então era uma série nichada, tornou-se um sucesso com a chegada da segunda temporada em 2013, e a entrada da série no popular aplicativo da Netflix. É difícil que Coralie não tenha se inspirado em Black Mirror, aliás, Reality+ poderia muito bem ser um episódio da série. Outro fator a se considerar foi o ressurgimento do Instagram logo após a compra do app pela Meta. Com a popularização do Instagram, também surgiram as notícias de pessoas que criavam personas apenas para angariar visualizações e curtidas, algumas chegando ao ponto de alugar carros de luxo por um dia, apenas para tirar fotos e mostrar uma imagem falsa de riqueza.
Mesmo não sendo original, Reality+ já dava sinais de alguns movimentos que a diretora faria dez anos depois em A Substância, sua maior obra até agora. O foco na beleza não apenas afeta Vincent no âmbito óbvio da baixa autoestima, mas a jogada de ser belo por apenas doze horas cria muitos problemas, e isso ganharia um correspondente no filme de 2024, onde Elisabeth tem que alternar com seu alter ego por uma semana. Outro detalhe interessante é o amigo de Vincent, que também implantou um chip, mas foi além e o “desbloqueou” para funcionar 24 horas por dia: ao mostrar a cicatriz do procedimento ilegal, podemos ver um enorme corte na direção da coluna, algo que também veríamos novamente com Elisabeth.
Há apenas uma grande diferença entre o curta de 2014 e o longa-metragem de 2024: apesar da distopia, Vincent consegue um final feliz. Ao vermos o fim que Elisabeth recebe em A Substância, não é difícil afirmar que a atual Coralie Fargeat é muito mais pessimista com a realidade do mundo, e isso se reflete no roteiro sombrio e visceral do seu último trabalho. De qualquer forma, é muito positivo que o público aos poucos descubra os primeiros trabalhos dessa ainda recém chegada diretora de cinema.



