Bye Bye Brasil

A Denúncia do Brasil Moderno em Bye Bye Brasil (1980), de Carlos Diegues

Nascido no Brasil velho — aquele onde o sertão castiga seus habitantes, e onde todos parecem incapazes de enxergar para além da terra seca — Ciço e sua mulher grávida, Dasdô, decidem se arriscar com uma trupe de artistas ambulantes que viaja pelo interior do país. Lorde Cigano, Andorinha e Salomé, o trio originário do grupo chamado Rolidei (sim, é a palavra inglesa holiday, mas escrita como se fala), acolhem Ciço e Dasdô e partem numa aventura por um Brasil que já não quer mais ser o mesmo. Aos poucos, o país deixava de ser aquela nação de renda baixa, cuja uma das maiores atrações era o circo itinerante: essa nascente nação de renda média, ainda profundamente desigual, agora ansiava pelos programas de televisão.

“…Só que agora a mágica do cinema, o mistério da sua luz, captura um país em transe, onde convivem no mesmo espaço/tempo o moderno e o arcaico, a riqueza e a pobreza, a selva e a poluição, a comédia e a tragédia, numa situação-limite que pode estar anunciando a civilização do século XXI.”
Carlos Diegues

Cacá Diegues apresenta uma realidade cultural em que tudo que vem do sul do país é mais desejável, e tudo que vem do exterior é considerado indispensável. Seja no interior do Nordeste ou nas cidades da bacia do Rio Xingu, o artista local agora precisa competir com a força esmagadora da mídia de massa e seu efeito homogeneizador. O que torna Bye Bye Brasil um filme excepcional é a capacidade de Cacá de reunir diversos temas relevantes, mantendo a coesão e o fluxo da narrativa. O tema central — a cultura de massa — convive com várias subtramas: a extrema pobreza do sertão, os políticos corruptos das cidades do interior, os povos originários marginalizados, a objetificação da mulher.

”Sonhar só pode ofender aos que não sonham”
Fala do personagem Lorde Cigano

Betty Faria interpreta Salomé em Bye Bye Brasil.
Betty Faria interpreta Salomé em Bye Bye Brasil.

Como um dos fundadores do Cinema Novo, Cacá Diegues não é alheio aos temas sociais. Nesse sentido, Bye Bye Brasil não difere tanto de outros filmes de sua filmografia, como Xica da Silva (1976), Tieta do Agreste (1996) e Deus é Brasileiro (2003). Assim como seus pares do Cinema Novo, há uma certa presunção em suas obras — um idealismo que acredita que o movimento seria capaz de provocar mudanças radicais na sociedade brasileira. Por um lado, seus filmes de fato tiveram impacto, mas a profundidade e extensão desse impacto são discutíveis. Bye Bye Brasil, ao abordar a invasão da cultura de massa, vai além e gera um fenômeno semelhante ao de O Show de Truman: O Show da Vida (Peter Weir, 1998), em que o objeto de crítica — a indústria do entretenimento — fala de si para si.

O longa termina com a seguinte mensagem: “Ao povo brasileiro do século 21”. É fato que, de 1980 para cá, o país mudou muito, mas o povo brasileiro do século 21 ainda convive com a desigualdade. E o gigante da indústria cultural criou mais um tentáculo que Cacá jamais poderia ter imaginado: a internet e as redes sociais produziram um ambiente ainda mais permissivo à cultura de massa — muito mais devastador do que as antenas de televisão do século 20. Em 1980, as televisões na praça conviviam com as casas humildes e os pratos vazios; em 2025, os celulares caros convivem com a falta de saneamento básico e a insegurança. Talvez o Brasil não tenha mudado tanto assim.

“…Eu só ando dentro da Lei
Eu quero voltar, podes crer
Eu vi um Brasil na TV
Peguei uma doença em Belém

Agora já tá tudo bem
Mas a ligação tá no fim
Tem um japonês trás de mim
Aquela aquarela mudou”

Bye, bye, Brasil, canção de Chico Buarque – 1980

Mensagem de Carlos Diegues em Bye Bye Brasil
Mensagem de Carlos Diegues em Bye Bye Brasil.