Ricky, Robert e Randy Ray ficaram conhecidos nacionalmente nos EUA por serem vítimas de uma petição que os proibiriam de brincar com outras crianças, ir à escola ou até mesmo cortar o cabelo. A perseguição que sofreram por parte da comunidade em que viviam era tanta que a família Ray teve a própria casa incendiada. Qual era o crime deles? Serem portadores do vírus HIV. Em meados dos anos 1980, quando pouco se sabia sobre a então nova doença, não havia procedimentos médicos profiláticos claros e, devido à falta de testagem em sangue doado, os irmãos Ray, hemofílicos, receberam sangue contaminado.
O caso da família Ray era apenas mais um numa longa esteira de casos que ganhavam o noticiário e alimentavam a histeria em todo mundo, principalmente na segunda metade daquela década. Lina Wertmüller, diretora de cinema italiana que já tinha mais de vinte anos de carreira naquele período, decidiu voltar sua atenção para o tema do HIV com seu filme Em Uma Noite de Lua Cheia (In Una Notte di Chiaro di Luna, 1989). A filmografia de Wertmüller tem como pedra fundamental temas sociais complexos, portanto ao adotar o tema da epidemia do HIV ela estava apenas mantendo a tradição de atingir o ponto fraco de assuntos que eram tratados com pouco conhecimento. Mas ao colocar Em Uma Noite de Lua Cheia como um filme quase que puramente informativo sobre a epidemia, a diretora perde a oportunidade de criar uma história rica e delicada.

Logo de cara somos apresentados a uma cena forte: um casal jovem descobriu que ambos são portadores do vírus, e num ato de desespero eles decidem terminar com a própria vida. Não demora muito para que a imprensa sensacionalista apareça para cobrir o acontecido. Essa introdução serve justamente como prelúdio dos temas que o longa pretende abordar. Afinal, o personagem central, John Knott, é um jornalista incumbido de fazer uma reportagem sobre a nova doença. O ano é 1985, e a missão de Knott é tentar escrever uma matéria que transcenda tudo que já foi feito – ele deve personificar a experiência de um infectado. Ao assumir esse personagem, a intenção dele é registrar a reação das pessoas quando expõe sua sorologia.
Durante seu experimento, Knott é colocado para fora de restaurantes e é rejeitado por mulheres. Ele também finge ser um trabalhador do porto apenas para, durante uma reunião sindical, trazer o assunto de sua sorologia. É a partir desse ponto que o roteiro começa a apresentar problemas. Após alguma reclamação por parte da audiência, os trabalhadores da assembleia decidem que o colega portador do vírus pode continuar no seu posto, portanto fica claro que Lina Wertmüller tenta apresentar a falsa ideia de que os trabalhadores seriam mais compreensivos e acolhedores simplesmente por serem pessoas simples. Na apresentação deste texto exemplifiquei a história de Ricky, Robert e Randy Ray, que foram segregados por sua comunidade composta majoritariamente de trabalhadores. Ao contrário do personagem fictício, a família Ray nunca entrou em um restaurante de elite, mas teve sua casa incendiada e seus filhos foram obrigados a assistir às aulas em uma sala separada das outras crianças. O simplismo com que Wertmüller trata do tema infelizmente prejudica o filme.

O repórter continua sua pesquisa, mas tudo muda quando ele reencontra um colega, Zaccarias. Após acompanhar a cena de John sendo expulso de um estabelecimento, Zaccarias corre para falar com ele – acontece que Zaccarias é soropositivo, e ao saber que seu colega também é portador, ele o convida para um passeio. John aproveita a oportunidade para conseguir mais informações, mas o que ele descobre altera o rumo de sua vida. Zaccarias é um libertino, ele sai com vários homens e mulheres, e mesmo tendo ciência de sua sorologia, ele decide por infectar seus parceiros sexuais. Como se não fosse chocante o suficiente, John descobre que ambos tiveram relações sexuais com uma mesma mulher, e que ela havia falecido há pouco tempo por complicações com AIDS.
Após um teste, seu maior medo se confirma: ele é, de fato, portador do HIV. O que se segue é uma longa jornada de aceitação, acompanhado de um idealismo que torna o filme quase irreal em vários momentos. Em Uma Noite de Lua Cheia foi lançado em 1989, e é inegável que ao tratar do tema em um período em que a AIDS ainda era chamada de “câncer gay”, Lina Wertmüller tentou ampliar a discussão com um personagem que não poderia estar mais longe da comunidade LGBT+.


