Mimi é um homem que trabalha muito, mas sua vida é miserável. Ele quer mudança, e crê que os partidos de esquerda podem mudar sua realidade. Contra a ordenança dos “donos” da cidade, que já haviam armado toda a eleição, ele vota em quem acredita, suscitando assim a ira dos poderosos. Sem trabalho por conta de perseguição política, ele decide sair de sua cidade pequena do interior e ir para a cidade grande, na outra ponta do país. Ao ler tudo que descrevi anteriormente, seria fácil imaginar que essa é uma história brasileira, que Mimi provavelmente é um migrante nordestino que foi para o sul do país tentar a vida, após ter aborrecido os “coronéis” da sua cidade natal. Mas não, esse é na realidade um conto italiano, mas os temas políticos e de costumes são tão próximos de nós que não seria difícil imaginar Mimi como um homem brasileiro.
Lina Wertmüller, a diretora do filme, ousou entrar na indústria cinematográfica ainda nos anos 1960, indústria essa que era feita por homens e para homens. Essa ousadia não demorou a gerar frutos, pois além de trabalhar com o grande Federico Fellini, ela desenvolveu experiência necessária para lançar seus próprios filmes ainda naquela década. Mesmo com um apelo mais popular em comparação ao seu amigo Fellini (e quase todos os cineastas italianos do pós guerra), ainda assim Wertmüller sempre trouxe temas políticos às suas obras. E com “Mimi, o Metalúrgico”, de 1972, não foi diferente.

Este longa-metragem é uma obra italiana que satiriza a própria Itália, e dentro dessa sátira há dois temas que andam lado a lado durante a trama – a temática da máfia que rege a política italiana e o machismo intrínseco ao homem italiano da época, principalmente aquele que nasceu no sul do país, pobre e atrasado. Carmelo Mardocheo, ou Mimi, é tanto vítima quanto algoz – ele inicia a trama como um operário precarizado que vê no partido comunista uma saída da extrema pobreza. Mas Mimi, que se autointitula “civilizado”, é muito menos consciente das forças que o regem, e ao longo da trama ele age muito mais por instinto do que por razão. Ele sai da sua pequena cidade na Sicília e vai para Turim, e lá ele interage com a mesma máfia que o havia prejudicado em sua cidade natal. Fica claro que ele não é um homem de grandes convicções – o entusiasmo com o partido comunista desaparece e ele trai sua esposa.
Comunista fajuto, não demora muito para que ele comece a fazer o jogo da máfia, sempre pensando em si mesmo. Como muitos homens italianos do sul, seu egoísmo também é refletido no machismo que se torna ainda mais presente na segunda parte do filme. É aqui que somos apresentados para uma cultura que valoriza o masculino em detrimento do feminino, ainda que isso revele uma moral distorcida – ao voltar para sua cidade, ele é confrontado pelos amigos com o boato de não conseguir ter ereção com a própria mulher, e para provar que é “homem”, ele apresenta aos amigos a família que criou com a amante. Mimi possui várias amantes no decorrer da história, mas ao descobrir que sua mulher teve um caso extraconjugal que a deixou grávida, ele não mede esforços para se vingar.
O fim de Mimi é trágico: o filme faz uso da lógica narrativa cíclica, em que o personagem se vê no mesmo local do início da história. A vida de Mimi deu uma volta completa, mas agora ele veste as roupas das mesmas pessoas que ele antes demonizava. Sempre atenta a cada época, Lina Wertmüller ainda faria muitos outros filmes ao longo das próximas décadas, o que lhe rendeu a primeira indicação de uma mulher como melhor direção ainda nos anos 1970. Apesar de não ter levado o Oscar naquele ano, Wertmüller recebeu várias indicações e premiações durante sua carreira, até ser premiada com o Oscar Honorário em 2019, pouco antes de sua morte.


