Sophie Thatcher e Chloe East são as irmãs Barnes e Paxton (Herege, 2024).

Herege (2024) Prova Mais Uma Vez Que Religião e Terror Podem Andar Lado à Lado

Duas missionárias mórmons, um residente e sua casa. Esses são os quatro personagens dessa trama de terror e mistério dirigida por Scott Beck e Bryan Woods. Sophie Thatcher e Chloe East são as irmãs Barnes e Paxton, e a pedido da liderança da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, ao final do dia, devem visitar a casa de um provável novo convertido, o senhor Reed - a missão delas é a de apresentar os ensinamentos da igreja. Reed as convida a entrar, elas relutam, pois estar na presença de um homem que não seja seu marido é contra as regras, mas Reed as convence de que sua esposa está na cozinha preparando uma torta de blueberry. Assim, elas aceitam permanecer na sala. Desse momento em diante fica claro que o homem tem intenções nada religiosas, mas Reed, interpretado por Hugh Grant, navega entre o caloroso e o estranho, e o diálogo entre os três se desenrola numa espiral descendente, cuidadosamente orquestrada por Reed.

A escolha dos mórmons como representantes de uma religião gerou uma certa preocupação de que o longa caminhasse por uma trilha já muito usada por críticos dessa crença. O mormonismo é frequentemente denunciado por associação com a maçonaria, e não é incomum que crentes cristãos cheguem ao ponto de acusar mórmons de bruxaria. Seria o senhor Reed um bruxo ou satanista que quer “desmarcarar” a fé das duas jovens? Para a sorte de toda a audiência, o filme é menos simplista e muito mais inteligente na forma como debate o tema da religião. E não, esse filme não é uma obra nem contra nem a favor do mormonismo, ele apenas utiliza-se dessa crença como um primeiro degrau numa escada que passa por outras religiões e alguns fatos históricos.

Ao juntar o gênero terror com o tema da religião, Herege (2024) segue os passos de títulos como O Exorcista (1973), A Profecia (1976) e A Bruxa (2015), mas peca ao tentar explicar o desconhecido.

Em um ritmo muito parecido com O Bebê de Rosemary (Rosemary’s Baby, 1968), O Iluminado (The Shining, 1980) e O Farol (The Lighthouse, 2019), Herege pode ser facilmente caracterizado como terror psicológico. Hugh Grant carrega boa parte da trama nas costas: as falas do senhor Reed são longas, e o jogo de gato e rato exercido pelo personagem é o que mantém o público ansioso para saber o que vai acontecer depois. É muito interessante ver como Grant, um ator conhecido majoritariamente por sua filmografia composta de comédias românticas, conseguir interpretar um antagonista de forma tão brilhante, em um gênero de filme que não lhe é tão comum.

A tortura psicológica imposta por Reed é acompanhada pelo quarto personagem do longa: a casa. O que começa com uma conversa leve na sala, evolui para uma discussão nervosa sobre a natureza das crenças - mas agora em outro lugar da casa, uma sala grande, mobiliada como se fosse um local de congregação. E quanto mais Barnes e Paxton são envolvidas na teia de aranha de Reed, mais elas adentram a casa. É uma metáfora dupla que representa o quanto já estão imersas no mundo de Reed, e que também pode significar que a cada diálogo, elas são levadas para dentro de si mesmas e obrigadas a confrontar suas próprias crenças.

Quanto mais Barnes e Paxton são confrontadas, mais fundo elas descem na miniatura do inferno de Dante criada por Reed.

Como ocorre em muitos filmes de terror que se sentem obrigados a explicar o desconhecido, Herege perde um pouco da sua força na reta final. Infelizmente isso é um erro comum nos filmes de suspense e terror recentes, ao explicar demais, eles perdem a oportunidade de se tornarem grandes nomes do terror psicológico moderno como A Bruxa de Blair (The Blair Witch Project, 1999), O Babadook (The Babadook, 2014) e Midsommar (2019). O Herege se beneficiaria muito de um final com mais ambiguidade, mas ainda assim é um longa que vale muito a pena ser assistido.

Capa do filme Herege (2024)
Capa do filme Herege (2024)